Débora Brito
Médica Endocrinologista – CRM –PE 21.343/ RQE 8789
Membro Titular da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia
Após consecutivas falhas do tratamento clínico, o “medo” perpetua como importante barreira ao tratamento cirúrgico da obesidade grave. Mas, diante de toda a evolução técnica e assistencial que experimentamos ao longo dos últimos anos, surge a pergunta: ainda há espaço para o medo?
É fato que o medo (“estado afetivo suscitado pela consciência de perigo”) atrelado ao ato operatório existe; mas o perigo vinculado à obesidade, apesar de grandioso, ainda é subestimado e não contabilizado pela maioria dos nossos pacientes.
Diante da indicação da bariátrica, justificar a nossa conduta é um ato necessário. Afinal, porque estamos indicando um procedimento cirúrgico (não livre de complicações) como tratamento para a obesidade? O que vai além do peso perdido? Aquele que toma a decisão final – o nosso paciente – precisa saber…
Esse tema foi alvo de recente revisão publicada no conceituado JAMA (Journal of the American Medical Association). O artigo explorou os benefícios mais consolidados e o atual perfil de segurança das duas técnicas cirúrgicas mais executadas na atualidade: Sleeve e Bypass Gástrico em Y-de-Roux. Vamos aos pontos:
Um dos efeitos positivos mais concretos da cirurgia bariátrica ocorre na população portadora de Diabetes Mellitus tipo 2 (DM2). Diversos ensaios clínicos nesta população mostram superioridade da cirurgia bariátrica sobre o tratamento medicamentoso quanto à taxa de remissão do DM2 e ao melhor controle glicêmico. Ademais, há evidência crescente de que a cirurgia bariátrica reduz o risco de complicações microvasculares, a incidência dos eventos macrovasculares e a taxa de mortalidade por todas as causas na população portadora de Diabetes.
Revisões sistemáticas também indicam benefícios da cirurgia bariátrica sobre a hipertensão arterial sistêmica, uma das comorbidades mais prevalentes em portadores de obesidade e que configura importante fator de risco ao desenvolvimento das doenças cardiovasculares. As taxas de remissão dessa condição após a bariátrica variam entre 43 e 83% no primeiro ano. A recorrência a longo prazo pode acontecer em até 44% daqueles que tiveram a remissão inicial; nesses casos a recorrência pode ser justificada pelo reganho de peso e pelo avanço da idade.
O risco de câncer também é afetado nos indivíduos obesos submetidos à bariátrica. Vários estudos observacionais sugerem que esta cirurgia é associada à redução do risco de todos os tipos de câncer, com impacto ainda maior sobre a redução do risco dos cânceres classicamente associados à obesidade (mama, endométrio, cólon, fígado, pâncreas e ovários).
Outras condições como: dislipidemias, apneia obstrutiva do sono, osteoartrite dos joelhos e incontinência urinária também apresentam significativo benefício resultante do tratamento cirúrgico da obesidade.
As principais complicações associadas à bariátrica, em contraponto, sofreram grande impacto positivo nas últimas décadas. Dados atuais demonstram que a taxa de mortalidade peri-operatória varia entre 0,03% e 0,2%. Apesar dessa grave complicação, múltiplos estudos observacionais sugerem que os pacientes submetidos à cirurgia bariátrica tem menor risco de morte por todas as causas quando comparados àqueles em condições clínicas similares, mas sem tratamento cirúrgico. Ademais, nova análise dos participantes do estudo SOS (Swedish Obese Subjects) evidenciou uma maior expectativa de vida entre os indivíduos obesos submetidos à cirurgia bariátrica quando comparados ao grupo de pacientes com obesidade em tratamento usual.
A frequência de outros eventos adversos graves, como condições que exijam reabordagem cirúrgica, eventos tromboembólicos e hospitalização prolongada geralmente é menor que 6%. A taxa de reoperações a longo prazo, por outro lado, varia entre 5 e 22,1%.
Outras complicações, mais frequentes e de menor gravidade, como: reganho de peso, má absorção, deficiências nutricionais, refluxo gastroesofágico e Síndrome de Dumping, costumam ter boa resposta ao tratamento dietético e medicamentoso. A prevenção e o adequado manejo dessas situações exigem seguimento clínico continuado.
O temido reganho de peso pode acometer mais de 50% dos pacientes após os primeiros 2 anos do ato operatório. Após esse período, é aceitável um reganho de até 10% do peso perdido; contudo, até 20% dos pacientes pode apresentar a recidiva da Obesidade (quando ocorre reganho de 50% do peso perdido ou recuperação de 20% do peso perdido associado ao reaparecimento de comorbidades). As causas de recidiva pós operatória estão relacionadas, principalmente, a fatores comportamentais e abandono do seguimento com a equipe multidisciplinar; apenas uma pequena proporção de pacientes tem o reganho de peso associado a fatores ligados às técnicas cirúrgicas. Esses dados reforçam o conceito de que a cirurgia bariátrica não é um procedimento curativo e que são imprescindíveis as mudanças nos hábitos de vida e o seguimento contínuo para alcançar seus melhores resultados a longo prazo.
Em última análise, a evidência atual é favorável à realização da cirurgia bariátrica como importante aliada ao tratamento da obesidade grave. A indicação é médica, mas a decisão é do paciente, que deve ser abastecido com as melhores informações, de modo a tornar dessa, uma decisão responsável e racional.