George de Souza Chagas
Médico Endocrinologista – CRM PE 23.508 / RQE 10.867
Os glicocorticoides (GC) são medicamentos amplamente utilizados na medicina nas mais diversas formas para tratamento de várias doenças, como artrite por arboviroses, em especial a Chikungunya, e mais recentemente, apresentações moderadas a graves de COVID-19. Porém o que inicialmente vimos como uma esperança no tratamento para COVID-19 agora nos acende o receio pelo uso errôneo e por tempo prolongado dos glicocorticoides em pessoas sem indicação e que implicam no surgimento de várias complicações como hipertensão, diabetes, osteoporose, dentre outras.
A osteoporose induzida por glicocorticoides (OIG), tema abordado nesse texto, é considerada forma mais comum de osteoporose secundária. e resulta da perda de massa óssea e deterioração da microarquitetura do esqueleto, levando a um aumento do risco de fraturas causados pela exposição aos GC. O risco é maior em mulheres, tabagistas, etilistas, em pessoas com idade acima de 55 anos e já com doses a partir de 2,5mg de prednisona ou equivalente por pelo menos 3 meses. A chance de fraturas aumenta rapidamente após o início do GC, mas também diminui rapidamente após a suspensão de seu uso, e parte disso pode ser explicado pela associação de miopatia induzida pelos GC, o qual aumenta o risco de quedas. Porém o risco pode não retornar ao basal após a suspensão quando a dose cumulativa usada foi elevada (> 5g de prednisona) e suficiente para induzir a alterações irreversíveis na microarquitetura óssea. Estima-se que as fraturas possam ocorrer em 30 a 50% dos pacientes que em uso crônico sendo que em 20% dos casos a ocorrência das fraturas patológicas se dá no 1º ano e acometem mais frequentemente o osso trabecular.
Os GC interferem de forma direta (através dos osteoblastos, osteócitos e osteoclástos) e indireta na saúde óssea, conforme explicado nos esquemas abaixo. De todas as vias citadas o principal mecanismo do efeito deletério dos GC no tecido ósseo é a diminuição da formação óssea
Figura 1 – mecanismos direto
Figura 2 – mecanismos indiretos
Para melhor avaliação do risco para OIG a densitometria óssea (DMO) pode ser solicitada o mais precocemente possível, idealmente, dentro dos 6 primeiros meses de tratamento com GC. Para indivíduos com 40 anos de idade ou mais, deve-se realizar além da DMO o cálculo de risco de fratura em 10 anos pelo FRAX. Para adultos com menos de 40 anos de idade, deve-se realizar a DMO naqueles com história de fratura osteoporótica e naqueles com outros fatores de risco para osteoporose (ex. tabagismo, etilismo e doenças que elevem o risco de fratura). Para crianças, deve-se realizar a avaliação clínica do risco de fraturas, sem necessidade de DMO nesse primeiro momento (Figura 3). Caso o uso do GC seja continuado é necessária reavaliação do risco de fratura anualmente, em alguns casos com repetição periódica de DMO, e o tratamento para osteoporose (OP) já entra em consideração (Figura 4).
Figura 3 – Avaliação inicial de risco de fraturas
Figura 4 – Reavaliação de risco de fraturas
A partir do risco estimado de fratura conseguiremos classificar os pacientes em baixo, moderado ou alto risco (tabela 1)
Tabela 1 – classificação de risco de fraturas
Para o tratamento todos os pacientes precisam ser conscientizados sobre os riscos do uso crônico de glicocorticoides, se possível, ter sua dose reduzida, incentivar a cessação do tabagismo, redução da ingestão de bebidas alcoólicas e realização de atividades físicas resistidas. A ingestão diária de cálcio e os níveis séricos de vitamina D precisam ser avaliados para se manter as metas de 1.000 e 1.200 mg de cálcio por dia e níveis séricos de vitamina D ≥ 30 ng/ml. A suplementação de cálcio e vitamina D em forma de comprimidos pode ser necessária de a cota indicada não for atingida.
Já em pacientes de moderado e alto risco o tratamento farmacológico deve ser indicado. Como opções temos os bisfosfonatos orais (primeira opção), bisfosfonato intravenoso, teriparatida, denosumabe. Caso haja falha do tratamento (ocorrência de fratura após 18 meses de uso de bisfosfonato oral ou redução da DMO ≥ 10%/ano), recomenda-se a troca por bisfosfonato intraveneso (se houver suspeita de falha na absorção ou aderência ao bisfosfonato oral) ou por outra classe de medicação (teriparatida ou denosumabe).
Por fim se o uso dos GC for descontinuado e o paciente estiver em tratamento medicamentoso para osteoporose, a suspensão do tratamento deve ser feita se o risco de fratura for avaliado como baixo. Caso contrário, deve-se continuar até que o risco de fratura seja classificado como baixo.
Em resumo a OIG é uma doença frequente e com acréscimo de usuários em uso irracional pela pandemia por COVID-19 é de se esperar um aumento na incidência dessa doença. É preciso conscientizar os usuários sobre os efeitos colaterais dos GC e as medidas de proteção de perda óssea e em alguns casos iniciar a terapia medicamentosa específica para osteoporose.
Referências:
- Endocrinologia clínica / editor responsável Lucio Vilar ; editoresassociados Claudio E. Kater … [et al.]. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2021.
- Buckley L, Humphrey MB. Glucocorticoidinduced osteoporosis. N Engl J Med. 2018; 379:254756.
- Van Staa TP. The pathogenesis, epidemiology and management of glucocorticoidinduced osteoporosis. Calcif Tissue Int. 2006; 79:12937.
- Buckley L, Guyatt G, Fink HA et al. 2017 American College of Rheumatology Guideline for the prevention and treatment of glucocorticoidinduced osteoporosis. Arthritis Rheumatol. 2017; 69:152137.
- Mazziotti G, Giustina A, Canalis E et al. Glucocorticoidinduced osteoporosis: clinical and therapeutic aspects. Arq Bras Endocrinol Metabol. 2007; 51:140412.