Por Luciano Albuquerque – diretor da SBEM PE
Anualmente a American Diabetes Association lança seu Standards of Medical Care in Diabetes, documento que influencia condutas em todo o mundo. Desde 2018, o texto tem sido atualizado sempre que surgem novas evidências relevantes, independente do lançamento de uma nova versão. Isso ocorreu neste mês, graças a novos dados de estudos sobre doença cardiovascular e renal no diabetes tipo 2 e sobre medidas para atrasar o início do diabetes tipo 1.
Na seção “Cardiovascular disease and risk management”, os destaques ficaram com os inibidores do SGLT2. Dados sobre a Ertugliflozina (VERTIS CV), Sotagliflozina (SCORED em renais crônicos e SOLOIST-WHF em IC) e Empagliflozina (EMPEROR – Reduced em pacientes com ICFEr) foram incluídos ao documento publicado no início de 2021.
No estudo VERTIS CV, envolvendo 8.246 diabéticos tipo 2 com doença aterosclerótica, a ertugliflozina não demonstrou redução do 3P-MACE (Morte CV, IAM e AVC não fatais), nem redução dos desfechos renais (previamente observados nos estudos dos outros representantes da classe). A redução de 30% nas hospitalizações por IC não foram suficientes para apagar a má impressão, levantando o debate sobre o possível efeito de classe dos iSGLT2.
A Sotagliflozina, um inibidor duplo de SGLT1 e 2, levando a maior eliminação de glicose por via intestinal e renal, foi testado em 10.584 diabeticos com doença renal crônica no estudo SCORED. O desfecho primário de morte CV, hospitalização e visitas a urgência por IC foi reduzido em 26%. Os desfechos secundários de IC também foram reduzidos, mas não a mortalidade CV, nem os desfechos renais. O programa foi interrompido precocemente por falta de verbas, levando a alteração nos desfechos pré especificados, o que acaba comprometendo em parte a confiabilidade dos resultados. Os efeitos adversos foram similares aos observados com os outros iSGLT2, porém com maior incidência de diarreia, provavelmente por conta da inibição do SGLT1 intestinal.
O estudo EMPEROR-Reduced avaliou a Empagliflozina 10 mg em 3730 portadores de ICFEr sintomáticos, destes 49,8% tinham diabetes. Foi observada redução no desfecho composto de Morte CV ou hospitalização por IC (HR 0.75 [95% CI 0.65–0.86]; P < 0.001) e nas hospitalizações por IC isoladamente (HR 0.70 [95% CI 0.58–0.85]; P < 0.001). O achado foi consistente independentemente do diagnóstico prévio de diabetes. Os desfechos renais (diálise, transplante ou redução na TFG) tambem foram reduzidos significativamente (HR 0.50 [95% CI 0.32–0.77]). Os benefícios nesta população foram considerados efeito de classe e não relacionados ao controle glicêmico.
O estudo SOLOIST-WHF também contribui com dados para o tratamento da IC nos diabéticos, entretanto o grupo estudado teria uma hospitalização recente por IC descompensada que necessitaram do uso de medicação por via venosa. O início do tratamento com Sotagliflozina seria durante a hospitalização ou em até 3 dias após a alta. Novamente por falta de verba houve encerramento precoce e mudança nos desfechos. Ao final de um follow-up médio de apenas 9 meses, houve redução no desfecho composto de morte CV e hospitalização por IC (HR 0.67 [95% CI 0.52–0.85]; P < 0.001). não houve redução de mortalidade isoladamente. Diarreia e hipoglicemia grave foram mais frequentes com sotagliflozina.
Na seção “Microvascular Complications and Foot Care”, foram adicionadas as evidências dos efeitos em portadores de doença renal crônica decorrentes dos estudos DAPA-CKD com o iSGLT2 dapagliflozina e FIDELIO-DKD com Finerenona, um antagonista do receptor de mineralocorticóide.
O estudo DAPA-CKD envolveu 4.304 pacientes com TFG= 43.1 +- 12.4 mL/min/1.73 m2, e albuminúria de 949 mg/g, sendo 67.5% diabéticos. Houve redução significativa do desfecho primário (queda de 50% na TFG ou Doença renal terminal e morte cardiovascular ou renal (HR 0.61 [95% CI, 0.51 to 0.72]; P < 0.001). foi também observada redução de morte CV e hospitalização por IC (HR 0.71 [95% CI 0.55 to 0.92]; P = 0.009), além da redução de mortalidade por todas as causas. Novamente, os benefícios foram independentes do diagnóstico prévio de diabetes.
O estudo FIDELIO-DKD testou a finerenona, um antagonista mineralocorticoide em 5.734 pacientes com doença renal diabética avançada (TFG média 44.3 mL/min/1.73 m2 e albuminuria 852 mg/g. O desfecho primário (queda de 40% na TFG ou morte renal) foi reduzido (HR 0.82, 95% CI 0.73-0.93; P = 0.001), assim com o composto secundário (morte CV, IAM e AVC não fatais ou hospitalização por IC) (HR 0.86, 95% CI 0.75-0.99; P = 0.03). Hipercalemia levou a descontinuação em 2.3% dos pacientes, sem complicações fatais.
Por fim, na seção “Classification and Diagnosis of Diabetes” foram incluídas recomendações de opção de rastreio de auto-imunidade com a pesquisa de Anti-GAD em parentes de 1º grau de um portador de DM1, com restrição ao ambiente de pesquisa clínica. Tal recomendação segue os resultados do estudo com o Teplizumab um anticorpo anti-CD3, envolvendo pacientes com este perfil de risco. A mediana de tempo para o diagnóstico de DM1 foi de 48.4 meses no grupo teplizumab contra 24.4 meses no placebo; a doença foi diagnosticada em 43% dos usuários da medicação contra 72% do grupo placebo (HR 0.41, 95% CI 0.22 to 0.78; P=0.006).
Muitas mudanças? Sempre vindo mais dados por aí. Nesta sexta (25/6) está começando o ADA Scientific Sessions principal evento anual da sociedade americana. As novidades apresentaremos aqui.