A Modulação Hormonal não é uma prática reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina. Como você pode explicar os motivos para seus pacientes?
Muitos pacientes buscam informações na internet sobre tratamentos que possam prevenir doenças e melhorar a qualidade de vida. Com isso, acabam se deparando com um grande número de publicações promovendo o uso de hormônios, vitaminas e substâncias antioxidantes.
A “desinformação” é tão disseminada que acaba parecendo uma verdade aos olhos dos leigos, que, inebriados por promessas milagrosas, muitas vezes não resistem e se submetem a tratamentos que colocam a saúde, e até a vida, em risco.
O crescente número de prescrições de hormônios para fins estéticos, de melhora do desempenho físico e sexual, e antienvelhecimento, levou à necessidade de um posicionamento pelas sociedades médicas contra estas práticas, que, além de fugirem à ética profissional, representam risco à saúde pública.
O objetivo deste artigo é trazer informações e referências que facilitem a orientação do público leigo pelo profissional de saúde quanto aos riscos associados a essas terapias.
A tarefa de orientar essas pessoas -que costumam “estudar” o assunto profundamente em sites de busca e nas redes sociais- nem sempre é fácil. Por isso, não só a SBEM como a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, de Urologia e de Oncologia, entre outras, têm investido em inúmeras campanhas de alerta à população.
Pontos principais
O uso de terapias hormonais com o objetivo de retardar, modular ou prevenir o processo de envelhecimento, assim como para fins estéticos ou de melhora da performance física e sexual são proibidos. Isso ocorre devido à falta de evidências científicas de benefícios, associada aos reconhecidos riscos que trazem à saúde.
O uso de hormônios sem que o organismo precise deles, como é proposto pela “medicina antiaging” ou pela “modulação hormonal”, pode causar inúmeros e graves efeitos colaterais. O que inclui, por exemplo, acne e queda de cabelos, doenças cardiovasculares e o desencadeamento de certos tipos de câncer.
Apesar do apelo de “natural” e “personalizada”, a modulação hormonal bioidêntica se resume ao uso de hormônios fabricados em laboratório, manipulados em farmácias magistrais, e prescritos com finalidade não sustentável cientificamente. Portanto, não aprovada pelo Conselho Federal de Medicina, pela SBEM ou por outras Sociedades Médicas internacionais da área.
Termos como Low T, fadiga adrenal, tireopausa e somatopausa não são aceitos pela comunidade científica. Apesar disso, têm sido usados para justificar a “suplementação” ou “modulação” hormonal. Ou seja, o uso de hormônios por pessoas que não apresentam deficiência hormonal com base em critérios diagnósticos definidos cientificamente.
Em geral, essas prescrições se seguem a uma grande quantidade de exames solicitados para pacientes saudáveis, servindo como ferramenta para justificar o uso indiscriminado de hormônios.
Exemplos
Prescrever corticosteroides para uma suposta “fadiga adrenal” é submeter o paciente a uma condição anormal de excesso desse hormônio, conhecida como síndrome de Cushing iatrogênica, que pode levar ao diabetes, hipertensão arterial, ganho de peso, estrias, etc.
Do mesmo modo, administrar tiroxina a um paciente não portador de hipotireoidismo clínico e laboratorial é submetê-lo a uma tireotoxicose iatrogênica. Ou seja, uma doença causada pelo excesso de tiroxina com sérios danos para o sistema cardiovascular (arritmias), esqueleto (osteoporose) e músculos (perda de massa).
Importante lembrar que a prescrição de hormônio tireoidiano (T3, T4) para manipulação magistral é vedada pela ANVISA.
Além disso, prescrever hormônio do crescimento para “rejuvenescer” um adulto que não tem deficiência desse hormônio é submeter o paciente, no mínimo, ao risco de desenvolver diabetes.
Quando se administra pequenas doses “moduladas” de hormônios em pessoas sem deficiência, sabe-se que o organismo lança mão de um sistema compensador reduzindo a própria fabricação do hormônio endógeno (é o mecanismo de retroalimentação negativa) prejudicando a produção hormonal do paciente, o que pode levar a uma deficiência real do hormônio depois de algum tempo de uso.
O uso de hormônios para aumento de massa muscular e melhora da performance física também é ilegal e pode trazer graves consequências. A campanha #bombatôfora tem o objetivo de educar a população e prevenir o uso indiscriminado de substâncias anabolizantes e similares.
Em conclusão, no que se refere ao tratamento hormonal, há diretrizes bem definidas:
1) Quando há falta ou não há produção de determinado hormônio, este deverá ser reposto.
2) Quando houver excesso hormonal, este deverá ser controlado.
As técnicas para tais procedimentos devem seguir protocolos específicos, definidos através das evidências científicas disponíveis até o momento. Lembrando que é preciso ser cauteloso para fazer a prescrição até mesmo quando há um diagnóstico preciso, pelos riscos que pode trazer.
Portanto, a utilização de hormônios em pessoas que não apresentam deficiências hormonais está contraindicada. Médicos e outros profissionais da saúde que utilizam hormônios no tratamento de pacientes sem deficiências hormonais e que geram efeitos adversos e complicações podem ser penalizados pelos conselhos profissionais por exercício ilegal ou má prática da medicina. Além disso, eles também podem ser responsabilizados na esfera cível e até penal.
Combater o envelhecimento ou buscar outros efeitos estéticos com “modulação hormonal” com “bioidênticos” se encontra na área da especulação e do desconhecimento científico, o que expõe os usuários a experimentos não éticos e, portanto, proscritos pelo Código de Ética Médica.
A reposição de qualquer hormônio deve ser feita baseada na deficiência do mesmo, com acompanhamento médico especializado, observando-se riscos e benefícios do uso do mesmo.
Autora:
Daniele Zaninelli
Graduada em Medicina pela UFPR (1998) ⦁ Especialização em Endocrinologia e Metabologia no HC/UFPR ⦁ Título de Especialista em Endocrinologia e Metabologia (2003) ⦁ Mestrado no Serviço de Endocrinologia e Metabologia pelo Departamento de Clínica Médica do HC/UFPR ⦁ Membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia / Membro da Endocrine Society