Abordagem do hipogonadismo associado à obesidade

Anna Carolina Lessa 

Médica endocrinologista – CRM 25832 | RQE 12312

Membro Títular da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia

 

A obesidade é uma doença metabólica crônica e representa um crescente problema de saúde pública mundial com impacto na mortalidade geral e cardiovascular. Evidências recentes apontam que a obesidade é a principal condição associada ao hipogonadismo funcional nos homens. A prevalência do hipogonadismo relacionado à obesidade masculina (MOSH) não está bem definida, mas estudos epidemiológicos em larga escala e pequenos inquéritos de base populacional sugerem de 45,0 a 57,5%.

A obesidade e o hipogonadismo têm, entre si, uma relação bidirecional. Em estudos de base populacional, a obesidade é o fator mais importante que resulta na deficiência de testosterona, enquanto a deficiência de testosterona pode causar aumento da adipogênese e da obesidade visceral, com inflamação crônica subsequente, aumento da resistência insulínica e diminuição dos níveis da globulina de ligação dos hormônios sexuais (SHBG).

A fisiopatologia do MOSH é complexa e multifatorial. O aumento da aromatização da testosterona no tecido adiposo leva a inibição da pulsatilidade do hormônio liberador de gonadotrofinas (GnRH) a nível hipotalâmico e, assim, reduz o estímulo central de produção gonadal de testosterona. A leptina, hormônio produzido pelos adipócitos, está aumentada nos indivíduos com obesidade, contudo há uma resistência a sua ação, reduzindo sua atividade no estímulo de pulsatilidade do GnRH. Há também uma secreção aumentada e pró-inflamatória de citocinas pelos adipócitos, como as interleucinas, IL-1 e IL-6 e o fator de necrose tumoral alfa (TNF-alfa), que agem inibindo a esteroidogênese na célula de Leydig. Adicionalmente, ocorre redução da SHBG mediada pela resistência insulínica da obesidade.

Na avaliação diagnóstica do MOSH é preciso ficar atento a dosagem da testosterona total, que pode estar falsamente baixa devido à diminuição da SHBG. Assim, deve-se sempre realizar o cálculo da testosterona livre, juntamente com a dosagem do FSH e LH, que estarão normais/reduzidos.  Além disso, é importante afastar causas orgânicas para o hipogonadismo.

A perda de peso em indivíduos com obesidade está relacionada com o aumento inversamente proporcional dos níveis de testosterona, independentemente do tipo de tratamento utilizado, seja mudança do estilo de vida, terapia medicamentosa ou cirurgia bariátrica. Nesse sentido, a perda ponderal deve ser o objetivo principal do tratamento. A terapia com reposição de testosterona não está indicada de rotina. Ela fica reservada para homens muito sintomáticos, com níveis persistentemente baixos de testosterona e sem desejo de preservar a fertilidade. O clomifeno, por sua vez, vem sendo usado na prática nos casos de homens muito sintomáticos que têm desejo de preservar a fertilidade.

Por fim, vale ressaltar que o MOSH é uma condição emergente com grande impacto na qualidade de vida, no risco metabólico e no potencial reprodutivo masculino. O tratamento direcionado para a obesidade é urgente e necessário para quebrar o ciclo vicioso entre obesidade e hipogonadismo.