Esteatose Hepática: uma silenciosa ameaça

Fernanda Moura Victor, endocrinologista, CRM PE 22.248

A Doença Hepática Gordurosa Não Alcoólica (DHGNA) compreende um amplo espectro de doença hepática crônica que varia desde a esteatose simples (fígado gorduroso) até a esteatohepatite não alcoólica/NASH (inflamação do fígado causada pelo acúmulo de gorduras), com esta última entidade apresentando um pior prognóstico e com potencial de progressão para fibrose, cirrose hepática ou carcinoma hepatocelular (CHC).

A DHGNA é caracterizada pelo acúmulo excessivo de gordura hepática e definida pela presença de esteatose em pelo menos 5% dos hepatócitos, após exclusão das causas secundárias de esteatose, como consumo significativo de álcool, uso prolongado de medicações esteatogênicas (amiodarona, tamoxifeno, corticosteroides, etc.) e distúrbios hereditários.

É considerada uma epidemia silenciosa, por ser uma condição patológica frequente, embora com a maioria dos pacientes assintomáticos e sem alterações em enzimas hepáticas, sendo a esteatose hepática detectada, muitas vezes, incidentalmente em exames de imagem. Recente metanálise estimou uma prevalência global de DHGNA diagnosticada por imagem de aproximadamente 25%. Atualmente, a DHGNA já é considerada a doença hepática crônica mais comum em todo o mundo e a 3ª causa de hepatocarcinoma nos Estados Unidos, sendo ainda a 2ª maior causa de transplante de fígado, com a perspectiva de liderar esse ranking em um futuro próximo.

Na maioria dos pacientes, a DHGNA é comumente associada a comorbidades metabólicas, como obesidade, diabetes mellitus e dislipidemia. Essa associação bidirecional entre DHGNA e componentes da síndrome metabólica (SM) é fortemente estabelecida e a progressão da doença hepática tem sido vinculada à persistência ou agravamento dessas anormalidades. A prevalência de DHGNA é, portanto, drasticamente aumentada (mais de 3 vezes) em portadores de SM. Estima-se ainda que as consequências hepáticas da SM e da obesidade afetem até um terço da população adulta em muitos países desenvolvidos e em desenvolvimento.

Diante desses dados alarmantes, recomenda-se rastrear os portadores de esteatose hepática quanto aos componentes da SM, bem como os indivíduos com enzimas hepáticas persistentemente elevadas também devem ser rastreados para DHGNA. Em indivíduos com obesidade ou SM, a triagem para DHGNA com enzimas hepáticas e/ou ultrassom deve fazer parte da rotina de investigação. A utilização de biomarcadores séricos e escores de fibrose, além de exames de imagem com maior acurácia diagnóstica, também são alternativas aceitáveis para avaliar a progressão da doença, sobretudo em indivíduos de alto risco (> 50 anos, portadores de diabetes mellitus e SM). A biópsia hepática, padrão-ouro para o diagnóstico e para caracterizar alterações histológicas hepáticas em pacientes com DHGNA, fica reservada para casos selecionados em que há maior risco de apresentar esteatohepatite e/ou fibrose avançada, ou ainda quando há dúvida diagnóstica.

É, portanto, fundamental definir o grau de acometimento hepático de cada paciente, a fim de entender os riscos e direcionar a terapêutica. Assim, com identificação e intervenção precoces, essa condição poderá ser passível de controle ou, até mesmo, de reversão.

 

Referências:

  1. Anstee QM, Reeves HL, Kotsiliti E, Govaere O, Heikenwalder M. From NASH to HCC: current concepts and future challenges. Nat Rev Gastroenterol Hepatol. 2019;16(7):411–28.
  2. Chalasani N, Younossi Z, Lavine JE, Charlton M, Cusi K, Rinella M, et al. The diagnosis and management of nonalcoholic fatty liver disease: Practice guidance from the American Association for the Study of Liver Diseases. Hepatology. 2018;67(1):328–57.
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